27 de maio de 2011

Os Yamas e Nyamas - sutras de Patânjali

Yamas e Niyamas: alicerces da prática yogue

Os yamas e niyamas são descritos por Patañjali no Yoga-Sutra como os primeiros passos no caminho do Yoga. Conduta ética, moral, autodisciplina.

O termo Yoga, com a conotação que conhecemos hoje, aparece por volta de 800 a.C, nos Upanishads relatam diálogos entre um mestre e seus discípulos, que vivem isolados na floresta, levando uma vida ascética. As Upanishads descrevem uma nova forma de acesso ao sagrado e apresentam uma profunda mudança de valores, pela qual volta-se a atenção do mundo exterior para o mundo interior. O ascetismo representa a renúncia ao mundo exterior, no qual a felicidade não pode ser alcançada. É dentro desse contexto que o Yoga-Sutras é codificado, aproximadamente em 200 a.C. diz que a dor e o sofrimento humanos são causados pela ignorância, pelo desconhecimento do homem de que sua essência é a mesma essência do universo, Brahman.( DEUS) Para alcançar a felicidade, é preciso experienciar essa identidade com Brahman através do Yoga.

O homem, vivendo então num mundo desorientado, não tinha como transcender. Era preciso utilizar meios específicos e adequados para os novos tempos. O foco das práticas passa a ser o corpo, usado como ponto de partida para a investigação das realidades mais sutis.

Apresentamos esse cenário com os diferentes caminhos que o Yoga foi tomando ao longo do tempo com o intuito de oferecer uma perspectiva dos valores dentro da prática do Yoga e suas diversas escolas, o que permitirá uma visão mais abrangente na análise dos yamas e niyamas e suas interpretações.

O Yoga-Sutras é um texto composto de 196 sutras, frases extremamente enxutas, passadas de mestre para discípulo oralmente.

Essa concisão e as mudanças de valores ao longo do tempo é que dão margem a tantas interpretações. Meu objetivo é o de comentar algumas das abordagens dadas por diferentes autores e professores de Yoga, para que, a partir daí, você, leitor, possa realizar seu próprio exercício de interpretação e experimentação desses conceitos.

Segundo o Yoga-Sutras, Yoga é a supressão dos movimentos da consciência, é aquietar a nossa mente. Somente silenciando a mente é que poderemos encontrar a felicidade suprema, o deus que existe dentro de nós mesmos. Para lidar com o sofrimento e alcançar esse objetivo, o Yoga-Sutras propõe uma estratégia de oito passos.

Os yamas e niyamas são comumente interpretados como princípios éticos que guiam nossos relacionamentos com os outros e com nós mesmos.

Os yamas e niyamas são como os fios mestre dessa trama; se deixarmos de segui-los, a trama enfraquece.

Dentro do significado grego de morada, os yamas e niyamas seriam como a base dessa morada. Sem uma fundação firme, uma casa não fica de pé. Tanto a ética como o dharma se baseiam na idéia de que somos parte do todo e de que o todo está em nós.

Ainda que possam nos levar a uma conduta ética, o objetivo maior da prática dos yamas e niyamas é o de aquietar a mente. Os yamas e niyamas não foram definidos no Yoga-Sutras como princípios éticos para a conduta social, mas sim para a conduta pessoal. Eles não implicam em sermos bons ou maus, mas nos mostram como nossos atos trazem implicações para nós mesmos.

A palavra yamas pode ser traduzida por “refreamentos” e vem do verbo yam, que significa: ““refrear”,” restringir”.

Os yamas são: ahimsa, satya, asteya, brahmacarya e aparigraha.

Ahimsa: não-violência.

Swami Kuvalayananda vê ahimsa, não apenas do ponto de vista físico, mas da sua presença em pensamentos. A violência nos pensamentos pode ser pior do que a violência em si, quando praticada sem a intenção e sem ressentimentos. A não-violência não se aplica apenas aos outros, mas também na relação que temos com nós mesmos. Se alguém nos bate no estômago e ficamos sem ar, é fácil reconhecermos essa situação como violenta. Por outro lado, é difícil reconhecermos um comportamento como violento quando provocamos em nós mesmos sensações prejudiciais através de pensamentos e ações. Muitas vezes tratamos nosso tempo como se fôssemos uma máquina, e são comuns os problemas de saúde causados por estresse, falta de sono, etc.

Em última instância, ahimsa pode ser interpretada como não fazer mal a nenhuma criatura viva.

Satya: veracidade.

Satya implica sermos verdadeiro nos pensamentos, sentimentos, palavras e ações. Taimni comenta que a mentira cria uma espécie de tensão mental e emocional que nos impede de harmonizar e tranqüilizar nossa mente.

Imagine a seguinte situação: você está sentado numa praça e vê um rapaz com ar assustado passar correndo e se esconder num local próximo. Em seguida, um homem enfurecido, portando uma arma, pergunta se você viu um rapaz com a mesma descrição do que vira há pouco. Você sabe onde o rapaz está, mas deve contar? É melhor evitar que algum mal aconteça ao rapaz? O próprio praticante deve analisar sua conduta e decidir a melhor alternativa. Isso se aplica a todos os yamas e niyamas. Freqüentemente nos deparamos com problemas que não podem ser resolvidos racionalmente. A única maneira de resolvê-los é através de budhi, da intuição, a luz do conhecimento. A verdade “búdica” é isenta de dualidade, isenta de bem ou mal, isenta de hesitações da escolha

Asteya: não-roubar.

O professor indiano Aadil Palkhivala comenta que asteya não significa apenas “não roubar”, mas desenraizar crenças subconscientes ligadas à falta e carência que causam cobiça e a necessidade constante de acumular coisas. Trazendo ainda a idéia de asteya para a prática de asanas, ele menciona que essas mesmas idéias subconscientes podem estar presentes quando, durante a prática, você não dá o melhor de si, quando se economiza numa postura. Segundo ele, cada postura nos dá a energia necessária para realizá-la e, se nos prendemos a sensações de falta e carência, não poderemos nos colocar por completo no que fazemos.

Brahmacarya: moderação dos sentidos.

Tradicionalmente, brahmacarya é traduzido como “celibato”. O termo brahmacarya significa literalmente “o que caminha com brahman”. Lílian Gulmini explica: “ Esse termo era utilizado para designar o estudante bramânico durante o período em que aprendia os Vedas aos pés de um mestre. Como a castidade era exigência disciplinar, brahmacarya tornou-se sinônimo de continência dos impulsos sensoriais, sobretudo o sexual (lembremos que o sistema de Yoga de Patañjali é de cunho totalmente ascético)".

Iyengar argumenta que a maioria dos yoguis e sábios da antiga Índia era casada, e que brahmacarya não significa uma austeridade forçada. Para ele, aquele que pratica brahmacarya é o que vê o sagrado em todas as coisas.

Brahmacarya também pode ser visto como “moderação dos sentidos”. Quando os sentidos estão esparramados, estamos fora de nosso centro. A busca incessante pelo prazer (não apenas sexual) nas coisas que estão fora de nós nos afasta do encontro com nossa própria essência. Quantas pessoas não se sentem incomodadas apenas de ficarem paradas em silêncio? Por que é tão difícil estar consigo mesmo por alguns instantes? Nos dias de hoje, somos compelidos a fazer mais e a ter mais. A prática de brahmacarya nos ensina a ser, sem dependermos a todo o momento, de algo que é externo a nós. Também nos ensina não a fazermos mais, mas fazermos como um ato sagrado. Praticar brahmacarya não significa nos abstermos do prazer ou deixar de buscar o prazer no que fazemos, mas não sofrer nabusca pela repetição do prazer.

Aparigraha: não-possessividade.

A prática de aparigraha não significa que devamos banir nossos desejos e aspirações e nos livrarmos de todas as nossas posses para crescermos espiritualmente. No nosso mundo de hoje, inundado pela publicidade, a idéia de desejar mais e mais, de criar necessidades desnecessárias e a compulsividade ao consumo são bastante visíveis. “Eu preciso comprar.” “Não posso ficar sem isso.” A conscientização de aparigraha nos liberta do hábito de nos identificarmos com as coisas que nos rodeiam para nos aproximarmos da nossa própria essência. Dependemos de certas posses materiais para viver (roupas, comida, casa), mas não devemos viver apenas para manter essas posses.

Niyamas Os niyamas são orientações que o yogui deve seguir. São eles: sauca, santosha, tapas , svadyaya e ishwarapranidhana

Sauca: pureza.

Sauca está associada à idéia de pureza, tanto externamente como internamente, o que comemos, o que vemos, o que ouvimos e o que pensamos. Através de sauca, o corpo é o instrumento do yogui na busca do conhecimento espiritual.

Santosha: contentamento.

Citamos Taimni: “A principal causa da nossa constante infelicidade é a perpétua conturbação da mente causada por todo tipo de desejos.... Uma mente calma está apta a refletir em si mesma, a bem-aventurança, inerente a nossa verdadeira natureza divina.

Marcos Rojo dá uma boa explicação sobre santosha: “... contentamento é dar valor para o que já se tem, e não ficar olhando o que está faltando”.

Isso não significa que não devamos ter expectativas e desejar novas coisas. Estudamos esperando passar na prova; viajamos esperando nos divertir... Boa parte do que fazemos tem uma expectativa futura. O problema é apoiarmos totalmente nossa felicidade na realização dessas expectativas. Se não encontrarmos contentamento no que temos hoje, estaremos numa busca incessante pela felicidade que nunca será alcançada, já que sempre haverá novos desejos.

Tapas: determinação.

Tapas vem da raiz tap, que significa “queimar”, “calor”. “O significado da palavra deriva, provavelmente, do processo de submeter-se o ouro impuro a um forte calor, através do qual todas as impurezas são queimadas, restando somente o ouro puro”. Tapas combina em si o significado de diversas palavras: autodisciplina, purificação, determinação e refere-se ao esforço para se alcançar um determinado objetivo.

Pensando-se na prática de asanas, é muito tênue o limite em que tapas esbarra em ahimsa.

Para realizarmos uma postura que nos parece desafiadora, é preciso tapas, dedicação,prática, determinação. A idéia de esforçar-se numa postura é muitas vezes confundida com forçar uma postura. O esforço envolve intensidade, persistência. Quando nos esforçamos numa postura, trazemos presença para o que fazemos, e é através dela que tomamos consciência de nosso corpo e nossos limites. A partir daí, podemos desenvolver estratégias para alcançarmos nosso objetivo. Na realização de um asana, podemos avançar progressivamente, trabalhando de início com posturas preparatórias ou utilizando acessórios para nos ajudar. Quando forçamos uma postura, deixamos nossos limites de lado e as chances de nos ferirmos são grandes.

Svadhyaya: auto-reflexão.

Svadhyaya é muitas vezes traduzido como “leitura dos textos sagrados”. O significado por trás de svadhyaya parece ir bem além disso, e alguns autores o traduzem por “auto estudo”, “auto-reflexão”. Svadhyaya está associado à idéia de interiorização, autoconhecimento e busca por aquilo que realmente somos. Fazemos uso das nossas atividades como espelho para descobrirmos mais sobre nós mesmos, seja a prática de asanas ou nosso relacionamento com os outros e nós mesmos, é uma forma de praticarmos svadhyaya.

Ishwarapranidhana: entrega.

Ishwarapranidhana é interpretado como “consagração ao Senhor”, e pode ser visto como um ato de entrega, não necessariamente a Deus, mas a algo maior que si próprio. Isso significa fazer o melhor que podemos, sabendo que o resultado final não está em nossas mãos.

Ishwarapranidhana se aproxima muito do conceito de fé exposto por Alexander Lowen: “A fé é uma qualidade do ser: de estar em contato consigo mesmo, com a vida e com o universo.



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